9 de novembro de 2009

O mercado brasileiro é isto

Para quem está acostumado com o ambiente asséptico dos shopping centers, o primeiro contato com o lugar é chocante. A sensação que predomina é de sufoco, provocado pela circulação diária de cerca de 400 000 pessoas na região, todas elas zanzando de lá para cá com sacolas nas mãos. Nos meses de novembro e dezembro, esse número sobe para 1 milhão de consumidores, o que dá uma média de mais de dez pessoas por metro quadrado, superior à de um vagão do metrô paulistano nos horários de pico. Centenas de vendedores ambulantes com tabuleiros de doces na cabeça e funcionários aboletados nas portas das lojas anunciando ofertas como numa feira livre aumentam a balbúrdia na região da rua 25 de Março, no coração de São Paulo, o maior centro de comércio popular do país. Nas lojas, vitrines organizadas, provadores arejados e ar condicionado são luxos raros de encontrar. Alguns pontos não aceitam cartão de crédito ou de débito. Só cheque ou dinheiro.
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A região da rua 25 de Março não é propriamente uma novidade -- sua tradição no comércio de São Paulo vem de décadas. Mas foi o florescimento de uma nova classe média brasileira e o aumento da renda que a levaram ao patamar de fenômeno do varejo e de laboratório de vendas para um número crescente de fabricantes de bens de largo consumo. De certa forma, a região é uma metáfora do que está ocorrendo nos últimos anos com o mercado de consumo no Brasil. Ao longo de 18 ruas, esparramam-se 3 000 pontos de venda, dos mais variados tipos -- várias galerias comerciais, lojas de até 3 000 metros quadrados, cubículos com mercadorias oferecidas numa portinhola e muitas, muitas barracas de camelôs. A quantidade enorme de itens vendidos na região inclui desde bugigangas de 20 centavos, passando por roupas, brinquedos, bijuterias, fantasias e falsificações de todos os tipos, até itens mais caros, como tecidos ricos e cristais Swarovski. A característica comum à maior parte das ofertas é o preço baixo -- em alguns casos, 70% mais em conta do que itens equivalentes vendidos fora da 25 de Março.
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Entre a babel de comerciantes, misturam-se sírios e libaneses (os pioneiros e ainda responsáveis por metade dos negócios), chineses, espanhóis, portugueses e coreanos. Os brasileiros são, em geral, descendentes desses imigrantes. O metro quadrado comercial na região vale 10 000 reais, superando os preços cobrados na rua Oscar Freire, o endereço mais sofisticado de São Paulo. Apesar do valor imobiliário, há pouquíssimos pontos à venda. Os negócios costumam ser passados de pai para filho. Hoje, há lojas administradas pela quarta geração de famílias que se instalaram na região no início do século 20. Na raiz dessa tradição está a enorme riqueza gerada pelo comércio na região. Uma pesquisa da consultoria TNS Research International, encomendada por EXAME, estima em 17,6 bilhões de reais por ano o faturamento total do comércio da região. O valor corresponde a mais que o triplo do total das receitas em 2008 dos 11 shoppings do grupo Iguatemi, um dos maiores do país. "A 25 de Março é um lugar excitante, cheio de cores, barulho, ação, e todas as ofertas fazem os clientes se sentir especiais", diz o psicólogo israelense Dan Ariely, especialista em comportamento do consumidor do Massachusetts Institute of Technology (MIT). "Nunca vi nada igual."
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A pesquisa da TNS tem o mérito de deixar os aspectos folclóricos da 25 de Março de lado e mergulhar em sua complexidade como centro de negócios. Foram entrevistadas 708 pessoas em pontos de grande fluxo da região durante o mês de setembro. Segundo a pesquisa, a maior parte da clientela é formada por mulheres (74%), que gastam cerca de 190 reais a cada compra. Os consumidores da classe C -- com renda domiciliar de até 4 800 reais -- representam 39% do mercado. Mas, surpresa para muitos analistas, a classe B é preponderante. "Houve um movimento de ascensão social no país nos últimos anos e isso se refletiu na mudança de público da 25 de Março", afirma Elizabeth Salmeirão, diretora de varejo da TNS. "Além disso, parte da elite que sempre comprou na região, e tinha vergonha disso, agora resolveu assumir."

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Fonte: http://portalexame.abril.com.br/revista/exame/edicoes/0955/economia/mercado-brasileiro-isto-508528.html

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